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quinta-feira, 17 de dezembro de 2015


Foto:stf.jus.br


BAGULHO NO COLO DO SUPREMO


O nosso político típico parece um pivete metido a malandrinho, sem um pingo de vergonha na cara, por trás dos óculos. Do tipo que subitamente aparece na tua frente, ou na tela do televisor, vindo nunca se sabe de onde, talvez da deslealdade do Estado, com uma arma na mão, que também pode ser uma mentira. Então ele ameaça, humilha, e se você não der o que ele quer, ele simplesmenten toma na marra, e termina dizendo que se for preso vai faltar cadeia. Todavia se, no prosseguimento, ele for pego, passará ao personagem de vítima, de coitadinho. Então aparecerá alguém para defender direitos humanos, como se a verdadeira vítima fosse algum ET, ou uma sociedade de ET, e logo na esquina o pivete solto já estará rindo, talvez debochando. Isso se não gesticular mais ameaças!

No entanto hoje estou me sentindo bem, muito bem comparado a como vinha me sentindo. Tudo porque encontrei um caso raro no noticiário, que nos dá conta de que nem todos no tribunal supremo deste país, se dispõem a servir à política. O judiciário deve ser um poder absolutamente técnico, e agir por critérios técnicos. Assim como o executivo. Essa estratégia de politizar o Estado todo para aumentar o seu poder há muito vem sendo adotada pela política legislativa, mas de uns anos para cá o truque vem sendo repetido, porque deu certo antes. Assim, o plano de poder do legislativo exige muitas pastas ministeriais, chefiadas até por técnicos mas que representam partidos, e seus séquitos, e de outras formas os políticos influenciam ministros do Supremo, mas com o mesmo objetivo. Reclamam tantos que os ministros do Supremo são indicados pelo executivo. Ora, quem estabeleceu essa regra? O truque é o seguinte...

Neste país o legislador não quer legislar, seria preciso estudar muito e trabalhar um pouco. A demanda legislativa fica na gaveta, esperando que alguma coisa se encaixe em conveniências políticas de governo. O que o legislativo quer realmente é governar, já foi assim quando houve oportunidade para os constituintes, basta ler na Constituição a partilha do que redunda em ação de governo. Por essa razão tanto se invoca a Carta Régia hoje em dia, porque ela foi feita para isso, para aumentar o poder de governo do legislativo. De outra forma, por que razão não é invocada em tantas outras ocasiões perfeitamente cabíveis, quer no interesse do cidadão quer no interesse do próprio político? Qual a verdadeira razão do legislador precisar do Supremo para fazer um regramento regulamentador que cabia ao legislador regulamentar?

A Constituição é atualmente o pretendido lastro para o conflito entre poderes. Conflito de conceito? Não? Para que conceitos e competências previamente definidas? A política parece achar que são desnecessários, até o ponto em que passem a lhes interessar. Agora não é mais necessário que o Congresso legisle e o Supremo julgue. Como já não é necessário saber, por exemplo, qual a relação entre as origens e os fins de tantos tributos. Isso não é um governo técnico, é político, orientado por interesses políticos, segundo objetivos e critérios políticos.

Estabeleceu-se neste país um modelo de governo por leis, como se devesse haver uma lei específica para cada situação possível e imaginável. Isso é parte da estratégia porque fazer leis cabe ao legislativo, quando tem tempo, e não apenas à Constituinte, ao menos enquanto não degenerarem também o conceito de Constituinte. Governa-se por lei para que não haja necessidade de justificar, e convencer adversários políticos. A lei aplica-se, não se discute. e quem não obedece sujeita-se aos seus rigores. Sequer se discute a existência de adversários dentro do poder público! Alguém invocou a Constituição para corrigir a desarmonia entre os poderes? Isso é um truque de pivete, sem base de conceito. E caba perfeitamente no paralelismo de poder marginal a que se submete a sociedade honesta e trabalhadora: "Faça o que eu digo, e não o que eu faço".

O truque tem se completado com as artimanhas de se levar para o Supremo Tribunal questões que não lhe cabem por conceito, ou que deviam ser julgadas em instâncias que têm essa responsabilidade específica. As casas legislativas são dotadas de instituições com autoridade para julgar as questões domésticas. Contudo aliciar um segundo poder isola estrategicamente o terceiro poder. Joga-se então o embrulho, aliás, no caso o bagulho, no colo do Supremo, e sabe Deus o que mais fazem para forçá-lo a tomar "partido", já que não há unanimidade. Equivale a jogar o laço político no quintal do judiciário. Depois é só chamar o executivo de "governo", como se este tivesse plena autonomia para gerir e tivesse a função de fazer leis, para competir com o legislativo. Pronto, simples assim. O "governo" é um único alvo na mira de todos, e a pivetada toda (inclusive a base de governo) atravessa o rio na próxima curva, em segurança, longe da mídia.

Querem enxertar o processo de impeachment de estopa constitucional, e se o querem é porque a consistência de crime grave, como dispõe a Constituição, em acusação à pessoa dela não é suficientemente consistente. A Carta Régia não especifica o impeachment do partido político, então assim se conseguiria isso de tabela, destituindo-se a presidente, que tem um vice de outro partido na linha de sucessão direta. A verdadeira mudança, sequer pretendida pelo legislativo, seria a desse sistema desonesto de falsos conceitos, seria a harmonia dos partidos em favor da nação e do país. E o verdadeiro golpe não é esse da obstinação de desalojar a presidente eleita, mas sim outro bem mais ambicioso, o de violar a preferência popular pelo presidencialismo, instituindo-se um parlamentarismo à brasileira.

Fiquei feliz, porque encontrei um exemplo da lucidez do jurista brasileiro, na posição do ministro Gilmar Mendes (cique no link no final deste texto), e o seu respeitável argumento técnico prova ao leigo que o conceito certo existe, mas não interessa à política de confronto e, por conseguinte, isso não representa o interesse da sociedade. Inclusive, porque os erros das políticas partidárias, legislativa e executiva, são indefensáveis, e ainda, levado ao fim que tanto desejam, esse processo soltará no quintal do Congresso Nacional um petismo hidrofóbico, sedento de vingança, que passará a contaminar com suas mordidas os demais partidos. Alguém se pergunta a quem isso interessa? Por que a solução não seria os poderes se harmonizarem pelo interesse comum? Ah, sim... Não se interessam pelo interesse comum... Bem, ao menos deveriam se sentir envergonhados, como já estão os cidadãos que eles dizem representar.

Gilmar Mendes tornou a coisa tão simples quanto deveriam ter feito sem que a questão saísse do Congresso. O conceito é retratado pelo texto, que pertence à ele e não o oposto. Assim como os partidos pertencem ao país e ao povo, e não o oposto! Precisamos defender o conceito e a nação dos critérios corrosivos desse modelo de fazer política, segundo critérios e objetivos políticos. E sustentar o conceito de competência do Supremo Tribunal, no caso da pretensão tosca de fazer com que o judiciário legislasse sobre os trâmites do impeachment, foi o que fez Gilmar Mendes, para a minha alegria. Os tribunais existem para julgar, à luz do condicionamento jurídico pré-existente, produzido pelo legislador, e para isso seus integrantes estudam muito, mas muito mais, do que se exige dos legisladores... Por que não pediram a opinião do Supremo antes? Seria uma forma de harmonizar o Estado. Mas parece que querem dividir. Por que não regulamentaram tantas leis que esperam por isso? Porque querem governar. Juntando as pontas: dividir para governar.

POSIÇÃO DO MINISTRO GILMAR MENDES:

“Não é competência do Supremo Tribunal Federal editar normas sobre essa temática. O STF já disse que a Lei 1079 (do impeachment) foi recepcionada em determinadas partes pela Constituição de 1988. Já tivemos o impeachment do presidente Collor calcado nessa lei”.

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