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domingo, 3 de janeiro de 2016



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LIBERDADES, NÃO SABEMOS USÁ-LAS


Ando desanimado para participar de redes de relacionamento, e ter de suportar uma torturante sequência no feed, de postagens aparentemente acéfalas. Criamos um condicionamento de consumo terrível, que nos leva a clicar em alguma coisa, sem a percepção do que significa o coletivo, o comportamento coletivo, e do quanto pode ser explorado, sabe-se lá por quem, para objetivos que não sejam percebidos e muito menos sejam nossos. Muitas pessoas postam e compartilham sem um mínimo de bom senso, salvo o de participar. Dão-se ao trabalho de editar imagens antes de postá-las. Põem nas bocas alheias palavras que por vezes nem são delas, ou com contextos levianamente modificados. Confundem o direito de ter opinião com as responsabilidades de fazer acusações, ora dissimuladas e ora explícitas, sem que se possa sequer imaginar que pudessem provar alguma coisa, e de violar direitos de imagem e autorais dolosamente. Pode-se considerar até que seja irresponsavel a utilidade que se dá às liberdades de hoje, que antes foram um sonho.

Mas seria um risco enorme afirmar que "antes" era melhor, fechando o foco na ausência de liberdade. Dizer assim seria mais conciso: seria melhor sem liberdades desprotegidas de bom senso, responsabilidade, e de mecanismos legais preventivos e corretivos. Então sim, estaríamos sendo mais cirúrgicos na análise. Porque generalizando a partir da censura do regime militar, pareceria a muitos que apenas a censura era inconstitucional, quando o próprio regime o era. E não se iludam com o argumento de que o Congresso Nacional teria solicitado na época uma intervenção militar pois ainda que o fizesse espontaneamente, nenhum congresso solicitaria uma revolução, nem a própria cassação e nem mais de vinte anos de violações. Se demonizava os socialismos, e o comunismo, versão socialista mais radical, controladora da iniciativa do capital privado, paternalista e violenta. Mas estranhamente ao seu discurso demagógico, o que fez o governo revolucionário além de falso e repressor paternalismo? Ademais, alinhou-se aos interesses do capital dos que venceram a guerra e tinham planos para "vencer" o mundo, prometendo muitas liberdades para os seus. Se a maioria dos brasileiros quisesse o socialismo, qual seria o papel da representatividade política e das forças armadas?... Não se deixem enganar, o que houve foi ambição de poder, e as ideologias foram mais uma vez usadas como rótulos. E se olharmos para o contexto crítico contemporâneo não encontraríamos outro tipo de ambição... Não é culpa do capitalismo não, mas do capitalismo que é praticado. Assim como não é culpa da política não, mas da política que é praticada. Não tinha que ser assim. O erro está na raiz, no sistema de conceitos, e não em formas pré-estabelecidas.

Investem em tecnologia, mas nem tanto no controle do seu uso, como se esta fosse de responsabilidade exclusiva do poder público, o grande pai, que também muito pouco faz de efetivo, e de cada pai dos seus filhinhos adolescentes, libertários e consumistas, mas sem bagagem da vida. Agora temos um rótulo diferente porém não menos enganoso, o do liberalismo, em várias versões. E paradoxalmente, trama-se febrilmente por um parlamentarismo, tão característico dos regimes de governo socialistas e, no nosso caso, tão formal e insofismavelmente desautorizado pela cidadania. Uai... O socialismo não era o demônio do mundo? A ameaça comunista não justificava colocar as forças armadas contra cidadãos, eleitores e contribuintes brasileiros, presos e muitos não devolvidos, mas que pagavam pelas armas com que eram ameaçados, torturados e desparecidos para que não houvessem provas? A quem elas armas representavam na verdade? Não haviam instituições competentes neste país para assuntos internos, nem leis nem justiça institucional? Acaso alguma vez a diminuta Cuba invadiu o colossal Brasil, ou qualquer outro país soberano, quaisquer que fossem o tamanho territorial e a distância logística, comparados ao poderio militar e humano cubanos?... As tais liberdades ameaçadas pelo comunismo deviam ser outras, porque o conceito de liberdade aplicado na dissimulada ingerência do grupo americano do norte não serviu ao Brasil, na sua proporção. Mas serviu e muito aos banqueiros, por exemplo, que não limitam ou estimulam a liberdade através de decretos, apenas porque têm seus próprios meios, seus próprios direitos e seus próprios critérios soberanos. Ninguém lucrou tanto quanto os banqueiros.

Sustenta-se que a solução esteja nas liberdades do capital, dos mercados, do consumo, da representatividade política e, para falar da última moda, de ministros do Supremo Tribunal e outros juristas. Mesmo considerando o lapso de tempo a partir da chamada redemocratização, e até a crise atual, é bastante clara, para quem queira enxergar, a realidade: também não funciona para a sociedade e muito menos para os seus estratos menos privilegiados. Um exemplo cabal, dentre tantos outros: provavelmente já exista um aparelho de telefonia móvel para cada cidadão neste país, mais de duzentos milhões de celulares e assemelhados já foram vendidos. Mas quantos deles são usados pagando-se por caríssimos créditos? E a telefonia convencional, tem garantias do poder público? E a telefonia pública (orelhões), ainda funcionam? Ora, quem realmente ganhou com o projeto de telefonia móvel do governo? Se escolhêssemos outra responsabilidade do poder público, na amplitude que é devida, o resultado não seria muito diferente. O Estado terceiriza tudo que pode, mas nem as suas finanças isso resolve. Não fiscaliza e ainda pretende transferir suas responsabilidades constitucionais para os terceirizados, como se algum contrato, e muito menos público, pudesse fazer essa mágica.

Uma pergunta parece inevitável aqui, ao menos para as mentes dos que não se conformam em ser simplesmente arrebanhados e pastoreados pela política: por quê também não funciona?... Bem, caberia como resposta uma infinidade de fatores, dados, índices e versões interpretativas, em duas vertentes insuficientes, umas porque não estabelecem uma relação clara com o conjunto, e outras porque são na verdade consequências e não fatores diretos, caso em que se incluem quase todos os dados e índices analíticos comumente utilizados. Os nossos políticos, na sua maioria, não têm qualificação nem intimidade com informações, fundamentos e critérios técnicos, e não o tem porque a lei, feita por eles, entende que não é necessário e portanto não exige. Contudo, para responder à "pergunta inevitável", nesse caso específico, é mais exigível a mais simplória (e nem tanto simles) isenção. Na prática, as ideologias não funcionam apenas porque não é o que se pretende. A intenção é usá-las como rótulos. Não funciona porque não é feito para funcionar, do ponto de vista da sociedade. Mas funciona perfeitamente para o político e para o capitalista/empresário a quem o político realmente representa... Será necessári0 um grande arcabouço técnico, qualquer que seja a especialização, para entender coisa tão simples (e não simplória) e tão óbvia como essa? Quando se resolver priorizar o social, qualquer ideologia fará com que tudo funcione, e não será necessário adotar um tipo de socialismo ortodoxo, que parece encher de pavor as direitas brasileiras.

Hoje querem e convencem a muitos, como os nossos partidos comunistas não são influentes, que o demônio seja o PT, comunista dissimulado, e para isso fecham o foco nos seus incontáveis e históricos rabos, incluindo-se a combatividade exacerbada de alguns militantes. Mas o que tem isso a ver com ideologias acadêmicas? Que se saiba nenhum teórico inventou um sistema de propinas institucionalizado, abrangendo a pluralidade partidária. Que se saiba, o governo é responsabilidade do Estado e não do poder executivo, mesmo quando programas demagógicos quebram finanças. Que se saiba os poderes têm obrigação de serem congruentes, em vez de competitivos sem planos alternativos convincentes e conhecidos. Que se saiba o Estado não se constitui numa empresa capitalista com objetivo de lucro. E sobretudo, que eu saiba, o poder público não é dono de nenhum capital, nem de coisa nenhuma. Muito menos das pessoas e, nem pensar, das liberdades. Contudo, desde a redemocratização, já teve tempo suficiente para regulamentar o uso das liberdades, sem precisar de que ministros do Supremo Tribunal, indicados pelo executivo, a rogo do legislativo legislem como serão feitas coisas como derrubar o executivo já eleito diretamente e empossado. O próximo passo talvez seja solicitar às Forças Armadas, que não são um poder de Estado democrático, que destituam a chefe do Estado, ou seja, sua chefe. Ora, já vimos esse filme. Se não me engano era rotulado, perdão, entitulado, "Soberania Nacional" ou qualquer coisa deste tipo, e custou para o congresso da época mais do que poderia ser pago por qualquer lei de incentivo fiscal.

O que me deixa assim de participar de redes na internet, é ver como se numa enxurrada de lama contaminada, tamanha quantidade de pessoas aprendendo os mesmos erros e praticando alguns deles, que preferia ver essas pessoas combatendo-os, por seus direitos mas sem ferir outros. Embarcando em mais uma falsidade ideológica impune neste país, aquela com a qual a política tenta respaldar de representatividade os seus erros. Porque qualquer cidadão tem o direito de protestar, se manifestar, criticar, propor soluções e, até mesmo, reflexão, como faço eu. Contudo isso tem de ser um direito e jamais uma obrigação, como tenta enganar o discurso político. Dever, têm os que se propuseram espontaneamente a fazer isso, passando a perna no arcabouço técnico executivo, e pelo que ainda são generosamente bem pagos. "Democracia é Participação"? Pode ser, por direito, dentro da legalidade e mesmo sem filiação.

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