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sexta-feira, 25 de março de 2016



FAVELAS IDEOLÓGICAS IMPENSÁVEIS NA SUÉCIA

Não é clara a razão de se produzir uma entrevista jornalística com um jurista membro da suprema corte sueca. Os argumentos do respeitável juiz Göran Lambertz são impecáveis, mas os contextos são absolutamente diferentes para perguntas comparativas, e não se deve ver no abismo existente entre os ambientes brasileiro e sueco razões preponderantes oferecidas pela atuação judiciária. Em democracias, temos os poderes legislativo e judiciário, de tal modo funcionalmente dispostos que juízes não legislam e têm de julgar com base nas leis estabelecidas por legisladores, embora por aqui a distância entre as qualificações médias de uns e de outros seja tecnicamente inexplicável. São óbvios os muitos motivos pelos quais o que acontece aqui "é impensável" lá, bem como é também óbvio o caráter cauteloso das respostas do jurista. E portanto a matéria não é suficientemente elucidativa para a pretensão de contribuir para a reflexão sobre o nosso caso. Daria no máximo uma referência de sintoma, e jamais da patologia institucional.

Se o judiciário neste momento não sai das nossas manchetes, o que é atípico na cena política, isso se deve ao imperdoável enfrentamento político e estratégico promovido pelos poderes legislativo e executivo, quando tinham o dever de se somar, levado a extremos cada vez mais torpes de ambição de poder e degredação da instituição jurídica da representatividade, dentre muitas outras, o que desaguou em uma disputa pelo martelo do judiciário. Ou seja, cada um dos ambiciosos quer convencer o juiz a bater na cabeça do outro. Isso é incompatível com a necessária imparcialidade da funcionalidade da justiça, representada pela venda nos olhos da deusa Artemis. Esse comportamento político de tentar manipular as decisões do judiciário não é mais do que o desdobramento de um processo antecedente de influência, cuja escalada agora se aproxima do cume, e beira a loucura democrática na medida em que se tomam por "ingratos" juízes não alinhados à política que os indicou.

Liberta do jugo dos militares, a política vem criando, desde a constituinte, um modelo de governo híbrido e dissimulado, fantasiado de presidencialismo, que não faz leis para legislar, mas sim para governar. E por que? Ora, porque fazer leis é função legislativa, ou do parlamento, se preferirem. Com a agravante de que envolver o terceiro e último poder, passou a ser estratégico para a sustentação do erro. E o judiciário, que antes era mantido à margem pela política, agora é sugado simultaneamente por dois buracos negros em todos os sentidos, situação e oposição, cada um querendo blindar suas conveniências e privilegiar sua própria futura galáxia de estrelas. Tanto que até ministros do supremo tribunal foram transformados em estrelas em ação da mídia televisiva. Não que lhes faltem méritos, numa compareção direta e qualificativa, pela média, com legisladores, sobrariam méritos daqueles, mas por interesse estratégico da política que tudo contamina e tudo quer levar à perdição, por sua paixão inconsequente pelo poder. A dita "crise" existe, mas não se trata de um acidente climático ou tectônico que derrube barracos apoiados uns nos outros, e sem os devidos alicerces.

Se temos alguma chance de refletir e entender isentamente o que está acontecendo neste país, isso depende de entender antes o que há por trás da política, que pulou em bandos vândalos e grotescos as cercas do congresso nacional, com a inestimável cumplicidade de grandes capitalistas e empresários, sem pedir a ajuda dos ministros do supremo tribunal, e não apenas entender os sintomas desse processo. Assim como compreender que nossas melhores expectativas, no momento sem lastro em exemplos e indícios do poder público, terão de passar pelo tratamento da doença, ou seja, pela derrubada do sistema de falsos conceitos forjado para dar sentido ao que uns chamam de "mudança" e outros de "golpe", quando talvez sejam todos culpados do crime de responsabilidade de não priorizar o interesse público e a sua gestão. E de outra parte, ir para a rua é um direito. Dizer "vem pra rua" também o é. Mas o conceito de liberdade não pode ser desatrelado da responsabilidade que lhe dá o verdadeiro sentido. No mínimo, é necessário entender que as soluções só podem ser efetivadas pelas instituições, nas suas entranhas, e não "fora", para que atendam a todos e não apenas para satisfazer grupos, e porque manifestações passam, muito mais rapidamente do que os condicionamentos que possam produzir na forma de leis e por meio de pressão arvorada de popular.

A Suécia é um país europeu, e como tal em outro estágio evolutivo, com melhores índices de qualidade de vida, mas muito menor em território e em riquezas naturais, em população inutilmente alfabetizada e em leis inutilmente intimidatórias, dentre outras diferenças óbvias. O Brasil é preocupante, do ponto de vista do juiz sueco, provavelmente por dois motivos mais importantes: em parte, porque lá o político está submetido a um condicionamento jurídico que consegue conter a sua ambição; e em parte porque, embora muito pouco se fale e se fale em momentos errados, devido à debilidade institucional, somos soberanos vulneráveis aos interesses internacionais capitalistas. Um exemplo?... Os partidários do bordão "golpe" bradam por uma soberania nacional que não está em risco pelo golpe que alegam, já que são todos brasileiros com direito à opinião própria. Mas não ouvimos tantos brados presidenciais e políticos, quando se nos revelaram que computadores e celulares da presidência estavam sendo espionados. Isso sim violou a soberania nacional! Muito mais que grampear telefonemas de um cidadão submetido a uma investigação legítima, necessária e democrática, e não o celular da presidente. Ora, se alguém ligou para o investigado grampeado e falou o que não podia, que culpa pode ter o juiz? E por que esconder o que é direito da cidadania saber? Um governo que é político e não técnico usa critérios políticos técnicos, turva conceitos e tenta manipular a opinião pública, sustentáculo da sua degradada representatividade.

Será que há carência de indícios para investigar o modelo político dos mandatos presidenciais posteriores ao regime militar, forjados pelas respectivas bases políticas?... Se isso não for feito pelas legítimas instituições de agora, certamente o será, infeliz e ironicamente, pelo que hoje se chamará de intervenção militar, termo constitucional atualmente em vigor. Será que se esqueceu que, à época, também se pretextuou que a soberania nacional precisava de um golpe de estado?... Quem convocará primeiro a intervenção militar, e contra quem?... Claro, decerto será contra a democracia que a população brasileira imagina que exista, como também imaginou antes, porque não éramos e não somos suecos... O jurista Goran Lambertz tem muitas razões para considerar impensáveis coisas políticas à brasileira, acontecendo lá no seu respeitável país. Mas nós aqui precisamos que seja muito "pensável". E entender que mesmo uma situação ainda mais terrivelmente caótica, com certeza poderá propiciar alguma vantagem estratégica para políticos obstinados em desprezar o sofrimento alheio e a lei que eles próprios escreveram, seguidos por idólatras, menos lúcidos do que se imaginam e nada democráticos. Para tais pessoas, empurrar o país para um conflito generalizado muito além das paredes do congresso, creiam, pode ser uma estratégia política válida... Lembrem-se do que disse, então sob sigilo, um ministro de estado: "Em política tudo é possível"... E a culpa por essa falsidade ideológica, cultivada sem a luz do sol nos calabouços do congresso, é de um membro do judiciário, justamente o poder do sol?

Nosso sistema de falsos conceitos, "impensável" na Suécia, em alguns poucos mandatos foi de tal modo proliferado e tão desorganizadamente, que se assemelha ao processo social que poderíamos chamar de favelização de risco. Quando algum "barraco" desliza lá de cima, arrasta tudo o que haja em baixo numa lama só... Alguém procurou um juiz que o autorizasse previamente a construir seu barraco ideológico sobre outros e na beira do abismo?... Não, então não pode resistir para sempre, nem à chuva e nem ao sol da justiça.

Leia a publicação da referida entrevista do Dr. Lambertz clicando no link abaixo:

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/moro-e-gilmar-sao-impensaveis-na-suecia-diz-juiz-da-suprema-corte-sueca-por-claudia-wallin/

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